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Guerra ao Terror: a xenofobia, a crise migratória e o crescimento da ultradireita como consequências

  • Foto do escritor: Rebecca Alves
    Rebecca Alves
  • 19 de out. de 2021
  • 5 min de leitura

20 anos depois dos ataques de 11 de setembro e a segurança global está cada vez mais distante. O medo do desconhecido ocupou o lugar.



A Guerra Global Contra o Terror, declarada após os ataques de 11 de setembro de 2001, trouxe consequências nocivas para os mulçumanos. Em resposta ao atentado, os Estados Unidos iniciaram a campanha militar de amplo escopo no Oriente Médio como estratégia de combate ao terrorismo. Para o doutor em Relações Internacionais e professor da PUC-Rio, Márcio Antonio Scalercio, um dos efeitos observados nos últimos 20 anos foi o crescimento desenfreado da crise migratória, da islamofobia e da associação entre ser mulçumano e ser terrorista. Segundo ele, terrorismo não é uma ideologia, mas um método de luta adotado por aqueles que são militarmete mais fracos, independente das motivações.


O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman (1925 - 2017), argumenta em seu livro, "Estranhos à nossa porta", que o salto no número de refugiados é resultado da quantidade crescente de Estados "afundados", territórios sem Estado e sem leis. Para o sociólogo, grande parte dessas áreas é dano colateral produzido pelas expedições militares ao Afeganistão e ao Iraque, mal avaliadas e mal conduzidas. Tais esforços substituíram regimes ditatoriais pelo "teatro da desordem e um frenesi de violência".

Uma das principais medidas tomadas pelo então presidente americano, George W Bush, foi adotar o discurso de securitização. Este termo é usado para que o Estado possa transformar assuntos de diferentes âmbitos em questão de sergurança nacional, o que permite o uso de meios extraordinários em nome da segurança, inclusive, a redução das liberdades individuais e da privacidade. Bauman alerta sobre a atual tendência de securitizar a questão da migração, visto que, uma vez classificados pela opinião pública como potenciais terroristas, os migrantes ficam fora do espaço da compaixão e do impulso de ajudar. Para o professor Scalercio, a securitização é uma forma de responder e satisfazer a opinião pública, mas carrega complicações.


Manifestantes no protesto contra as violações de direitos humanos na prisão de Abu Ghraib. Cartazes com os dizeres: Você deixou uma impressão ruim sobre os Estados Unidos e os cristãos. Democracia não é forçar as pessoas a seguirem os EUA. (foto: AP / Muhammed Muheisen)
Manifestantes no protesto contra as violações de direitos humanos na prisão de Abu Ghraib. (foto: AP / Muhammed Muheisen)

"O problema é que quando você securitiza a pauta, as preocupações de segurança superam todas as demais, inclusive, as legais. Pessoas são presas só pelo fato de serem suspeitas, e uma vez presas como suspeitas são tratadas como culpadas, são torturadas e ficam presas indefinidamente. Isso aconteceu em vários lugares, Abu Ghraib, lá no Iraque; prisões secretas no Cairo; e em outros lugares do Norte da África", afirmou.



Militares americanos torturam prisoneiros em Abu Ghraib. (foto: internet)
Militares americanos torturam prisoneiros em Abu Ghraib. (foto: internet)

De acordo com Bauman, há uma clara relação entre a chegada de uma massa de migrantes sem teto e privados de diretos humanos e o crescimento da xenofobia, do racismo e do nacionalismo. O mundo globalizado, para o acadêmico, estimula o individualismo e a indiferença com o sofrimento do outro. Este outro, o migrante, passa a ser desumanizado.


"A desumanização abre caminho à exclusão da categoria de seres humanos legítimos, portadores de direitos, e leva, com nefastas consequências, à passagem do tema da migração da esfera da ética para a das ameaças à seguraça, prevenção e punição do crime, criminalidade, defesa da ordem e, de modo geral, ao estado de emergência comumente associado à ameaça de agressão e hostilidades militares", escreveu.


Scalercio ressalta que o aumento da popularidade dos movimentos de supremacia branca da ultradireita ocidental está diretamente ligado a imagem estereotipada das populações do Oriente Médio. "A xenofobia é um lugar onde a ultradireita se sente em casa", observou. Ele completou comparando os valores destes grupos com os extremistas islâmicos.


O ultradireitista Anders Behring Breivik executou 77 pessoas no atentado em Oslo, em julho de 2011. (foto: AP)
O ultradireitista Anders Behring Breivik executou 77 pessoas no atentado em Oslo, em julho de 2011. (foto: AP)

"Esses grupos islâmicos violentos, que são a imensa minoria na comunidade mulçumana, têm pautas semelhantes com a ultradireita ocidental. São preconceituosos, são intolerantes e violentos. O rapaz da ultradireita norueguesa (Anders Behring Breivik) que foi com arma de fogo matar adolescentes no piquenique do Movimento da Juventude Social-Democrata podia ser membro da Al Qaeda", afirmou.


A partir de 2003, o secretário de Estado do governo Bush, Colin Powell, implementou uma política de um novo Oriente Médio, na qual estimulava a realização de eleições na região. A ideia era defendida pelos neoconservadores e divergia das medidas do ex-secretário de Estado e conselheiro nacional de segurança, Henry Kissinger, como explica o professor da PUC-Rio. Kissinger se baseava no realismo teórico, em que cada regime político podia ter o perfil que quisesse, desde que não interferisse nos interesses dos Estados Unidos e no equilíbrio de poder global.


A mudança no sentido de incentivar o avanço da democracia nestes países autoritários era fundada na premissa liberal de que democracias não entram em guerra com democracias. Mas, na Palestina, o Hamas venceu a maioria no parlamento e os Estados Unidos não reconheceram a eleição e tiraram o apoio do processo. "Quer dizer, eu apoio a democracia, contato que aqueles que eu quero que ganhe, vençam. Isso pôs abaixo essa política do novo Oriente Médio", comentou.

Para o professor, os projetos de democratização produziram situações de guerra irregular que duraram 20 anos e não atingiram o objetivo. Ele argumenta que essas intervenções precisam de uma avaliação mais crítica, de uma análise sobre como elas acontecem e como são gerenciadas. A invasão no Afeganistão foi a primeira ação da Guerra ao Terror e foi justificado pelo fato da Al Qaeda, grupo terrorista que assumiu a autoria do atentado, estar abrigada no território afegão que era governado pelo grupo fundamentalista islâmico Talibã. Mas, no decorrer do processo, o projeto foi modificado e a meta ampliada para a construção de uma sociedade democrática com a ajuda internacional. O problema, segundo Scalercio, é que projetos do tipo "de fora para dentro" dificilmente funcionam. Quando têm êxito é porque o país já tinha uma certa estrutura anterior e consegue se desenvolver a partir do investimento, o que não era o caso do Afeganistão.

Outra ação militar polêmica da Guerra ao Terror foi a intervenção no Iraque em 2003. A missão foi autorizada pela alegação dos Estados Unidos de que o regime do Saddam Hussein produzia armas de destruição em massa, mas o Comitê de Energia Atômica havia feito uma série de inspeções e declarado que o programa iraquiano estava desmantelado, como relembra Scalercio. Em entrevista à CNN Rádio, o antropólogo e coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio na Universidade Federal Fluminense, Paulo Gabriel Hilu, disse que a invasão ao Afeganistão e ao Iraque funcionaram para expandir o poder americano, reduzir os direitos civis e aumentar a arbitrariedade do Estado, da polícia e das forças armadas. Segundo relatório do Instituto Watson de Assuntos Internacionais e Públicos, da Universidade de Brown, a Guerra ao Terror matou cerca de 500 mil pessoas no Afeganistão, Iraque e Paquistão. O documento assegurou que este número é provavelmente maior.

O descontrole dos conflitos entre o Ocidente e o Oriente Médio fortaleceu a separação das fronteiras com a construção de muros, e intensificou a crise de migratória e a xenofobia. O caso da Síria, em 2015, foi o mais noticiado, mas está longe de ser o único. No Iêmen, por exemplo, dos quase 30 milhões de habitantes, cerca de quatro milhões foram forçados a deixar suas casas e 16 milhões estão sofrendo com a fome. A volta do Talibã ao poder no Afeganistão causa preocupação em relação a como as potências lidarão com os refugidos e os migrantes em busca de asilo. Em entrevista ao Correio Braziliense, o mestre em relações internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Igor Sabino, ressaltou o perigo de vivermos algo parecido com a crise humanitária da Síria, com populações vulneráveis tendo que atravessar o Mar Mediterrâneo em embarcações inseguras por falta de apoio dos países europeus.




 
 
 

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