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  • Foto do escritorRebecca Alves

O papel dos arquivos no resgate do passado para criação do futuro

Falta de investimento e organização para preservação de acervos brasileiros põe em risco a memória coletiva do país


"Se queres prever o futuro, estuda o passado." Esta frase dita pelo filósofo chinês Confúcio (551 a.C - 479 a.C) e ainda muito repetida atualmente enfatiza a importância da memória na construção do amanhã. A memória coletiva, criada ao longo dos anos por meio de imagens, documentos e narrativas, tem forte influência na solidificação identitária de uma população. Uma das formas mais comuns de resgatar e dialogar com o passado é por meio de produções culturais como filmes. Para isso, um longo trabalho de garimpo, muitas vezes não reconhecido como deveria, é feito com diferentes fontes e acervos.

O pioneiro e mais renomado pesquisador de arquivo brasileiro Antonio Venancio destaca que o passado é fundamental para saber o que aconteceu e tentar fazer melhor. "Um país que não preserva sua memória, sua cultura, seu passado é um país que está fadado a cometer os mesmos erros uma vez atrás da outra", pontua. Para ele, é primordial a preservação da história em diferentes formatos, como áudio, fotografia e vídeo.

Com quase 25 anos de carreira, Venancio participou de filmes como "Vinicius", dirigido por Miguel Faria Jr. e vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2006 na categoria Melhor Documentário, e "Democracia em Vertigem", dirigido por Petra Costa e indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2020. Ele conta que trabalha como um detetive em busca de imagens e documentos inéditos sobre os mais variados assuntos, e relata as dificuldades para pesquisar nos acervos brasileiros.

Um dos galpões da Cinemateca Brasileira em chamas no incêndio do dia 29/07/2021 (foto: reprodução)
Um dos galpões da Cinemateca Brasileira em chamas no incêndio do dia 29/07/2021 (foto: reprodução)

"A Cinemateca Brasileira está fechada há anos e 80% do acervo documental brasileiro está lá, ou seja, você não tem acesso a esse material. Agora a TV Brasil está com restrições sobre o licenciamento de material político. A solicitação vai para a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) e ela nega. Isso não existe em lugar nenhum do mundo, só no Brasil dos dias de hoje. As coisas pioraram nos últimos tempos, mas a Cinemateca Brasileira já sofria antes mesmo deste novo governo. É um problema que já ocorria no governo Temer e no governo Dilma", afirma.



A doutora em Comunicação Social e professora da PUC-Rio Patrícia Machado compara o funcionamento dos arquivos brasileiros com os franceses. Ela ressalta que a diferença começa pela própria noção da importância de uma política da memória, uma vez que a França tem longa tradição na consolidação de um acervo organizado e à disposição do público para a elaboração de filmes, textos e pesquisas. No Brasil, destaca, os acervos são heterogêneos e passam por muitas dificuldades de investimento por parte do Estado, que tem períodos de presença, mas longos intervalos de ausência.



"No momento a gente vive um período de ataque aos acervos, nitidamente um desejo de destruição. Pessoas que não têm o mínimo conhecimento e competência arquivística tomando posse de cargos importantes, como foi o caso do CTAv (Centro Técnico de Audiovisual), um arquivo fundamental no Rio de Janeiro, em que uma dentista ia chefiar e o Ministério Público deve que intervir. Houve uma piora terrível desde o governo Temer, mas essencialmente no governo Bolsonaro, a ponto de ratos estarem caindo do teto do CTAv. ", conta



Patrícia lembra que políticas públicas são sempre complicadas e o país já passou por dificuldades em momentos anteriores. Mas para ela, o modo como acontece hoje é diferente, há um ataque explícito ao campo da cultura e da memória. O cineasta francês Philippe Le Guay esteve no Rio no último final de semana para a exibição do seu filme, "Um Intruso no Porão", no Festival Varilux, e ao falar sobre o crescimento da ultradireita no Brasil e em diversos países europeus disse que o negacionismo não é sobre esquecer, é sobre destruir a memória. A professora completa que ter as matrizes do que foi produzido como documento da história de um país é crucial por serem registros testemunhais e trazerem a possibilidade de serem remontados, reorganizados e recontextualizados a partir de questões do presente para a construção do futuro.





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